CENTRO HISTÓRICO

O centro histórico de Lucca protegido pela muralha intacta.


Caminhar pelas ruas estreitas e tortuosas. Visitar as numerosas igrejas. Admirar a cidade do alto de suas torres ou de sua muralha. Perceber suas cores: o branco dos mármores das igrejas, o vermelho-alaranjado dos palácios dos séculos XIII-XVI e as pedras cinzas da pavimentação. Passear no centro de Lucca torna-se uma excitante viagem no tempo e na história, evidenciada pela sua integridade.


Podemos escolher qualquer uma das seis grandes portas que levam ao interior da cidade histórica. Podemos até dizer que é uma para cada dia da semana. E no 7º dia, embriagados por tanta história, podemos ficar descansando lá dentro. Depois, é só respirar fundo. E tomar fôlego para voltar ao século XXI. 




Vamos lá! Se preferir começar seguindo um roteiro, para depois se abandonar aos inúmeros chamados naturais de cada ruela, preparamos duas sugestões que reúnem as principais  atrações de Lucca.  Siga pelo mapa.


Uma dica importante: se você estiver de carro, aqui você pode ver onde estão os estacionamentos.

ENTRANDO PELA PORTA ELISA


Porta San Gervasio, ainda da antiga muralha medieval.
Por aqui, vamos entrar no centro histórico de Lucca pela porta que foi construída a pedido da própria princesa Elisa Bonaparte e inaugurada em 1809. E caminhando pela Via Elisa, logo, logo, uma primeira parada: aqui está a entrada principal da bela Villa Bottini (ex-Buonvisi), de 1581, atualmente propriedade do Comune di Lucca. Talvez essa seja a única Villa de Lucca concebida sem ter como objetivo qualquer atividade agrária. Deveria ser apenas uma belíssima moradia, capaz de abrigar reuniões e festas.


Cruzando a Via del Fosso, mais uma parada: vamos observar a Porta San Gervasio.
Porta? Isso mesmo, hoje parece um arco mas foi uma porta! Uma das únicas duas portas ainda existentes da antiga muralha medieval . Parte das ferragens do antigo portão levadiço ainda podem ser vistas. O arco tem 8 metros de altura, reforçado por dois torreões decorados com calcário branco. Hoje, uma dessas torres abriga parte das acomodações mais elegantes do Hotel Ilaria . 



Passando o arco, estamos em Via Santa Croce e você já deve estar se perguntando: "Lucca não é cheia de igrejas?" Pois é. Você pode não ter percebido, mas em pouquíssimas quadras já passamos por duas e agora chegamos na Igreja de Santa Maria Bianca(=branca, em função da cândida imagem que está no altar-mor), localizada na Piazza S.Maria Forisportam (= fuori porta = fora porta). Esse nome vem do fato de que até o fim do séc. XIII a igreja se encontrava fora da muralha romana, ainda mais antiga. 



Ainda nesta praça podemos ver uma coluna antiga, de granito oriental com capitel coríntio, chamada Colonna Mozza, que no período medieval marcava a chegada da corrida pelo "palio" (prêmio), disputada do lado externo da muralha romana. Ao longo dos anos "palio" passou a ser o nome da própria corrida e a mais famosa é certamente aquela dos "berberes", os cavalos sem ferradura, cuja largada era dada fora da praça S.Donato e que numa corrida desenfreada, cruzavam a cidade a toda velocidade através da Via S.Paolino, Piazza S.Michele e Via S.Croce, para chegar até a Colonna Mozza. A corrida era tão disputada que muitos personagens ilustres, como Lorenzo - o Magnífico, mandavam seus cavalos na esperança de ganhar a disputa, mais pelo prestígio do que pelo prêmio.

Aqui, do lado esquerdo, está a Via della Rosa, cujo nome vem da esplendida Chiesina della Rosa, assim chamada devido a flor na mão da Virgem, no interior da igreja, construída em torno de 1300 pela corporação dos mercadores, sobre os fundamentos de uma capela ainda mais antiga. Atualmente a igreja é fechada para o culto, mas preserva em sua construção parte da primeira cinta murada de Lucca.

Torre Guinigui
Voltamos para a Via Santa Croce e apenas uma quadra depois da Piazza, do lado direito, temos a Via Guinigi, nome de uma das mais importantes famílias 'lucchesi'. Nesta rua grandes construções se erguem majestosas, testemunhas de um tempo que já não existe mais. Do séc. X ao XII, os Guinigi acumularam um patrimônio que os colocou numa altíssima posição social e política. Entretanto, a família se extinguiu em 1957 com a morte de Arturo, o último Guinigi. Evidentemente, é nesta rua que fica um dos mais conhecidos postais de Lucca: a famosa Torre Guinigi. Construída em 1600, esta torre é  particularmente especial: pela presença de seculares árvores no topo e por ter sido uma das sobreviventes de tantas torres que 'enfeitaram' a cidade. Respire fundo. Crie coragem. Vamos subir pelas escadas, até o alto. É obrigatório!  Lá de cima podemos ter uma visão fabulosa da cidade, das muralhas e da planície 'lucchese'.
A pedra envergada no Palazzo Bernardini
Bem, 'pra descer todo santo ajuda' e para não perder o foco, seguimos novamente para a Via Santa Croce. Um pouco mais adiante, no lado esquerdo, está o Palazzo Bernardini, do início de 1500. Até o final dos anos 1800, no páteo podiam ser vistos maravilhosos mármores romanos e medievais, provenientes de vários templos de diferentes épocas. No andar nobre havia uma riquíssima decoração com valiosas pinturas, mobílias, armas, louças, tecidos e tapeçarias. De toda a riqueza passada restaram apenas um restaurante que funciona ali e uma lenda. Uma das pedras da janela do lado direito do portal mantem-se estranhamente torta, envergada como se fosse madeira, com uma das extremidades insistindo em não fixar-se à parede.

Foi substituída várias vezes, acontecendo sempre a mesma coisa. A lenda diz que esta pedra, conhecida como pedra do diabo, é uma lembrança da destruição da imagem sagrada que ficava no mesmo lugar, antes do palácio ser construído.

Pronto! Mais alguns passos e chegamos a uma difícil escolha: a tentação de virar à direita e seguir pela famosa e elegante Via Fillungo! Mas ainda não vamos nos 'perder' nela... à esquerda está a Via Cenami, nome de uma importante família que possuia casas e torres na cidade, condados, terras e palácios. Alguns descendentes desta família ainda moram em Lucca. E nós? Bem, nós vamos seguir pela Via Cenami até a Piazza S.Giusto, cuja igreja foi sede da Università dei Mercanti (Universidade dos Comerciantes), até o séc. XIII, quando foi transferida para San Cristoforo, na Via Fillungo. Do lado direito, saindo da igreja, se encontra o Palazzo dei Gigli, do início do séc. XVI, hoje Cassa di Risparmio di Lucca (='Caixa Econômica'). Em frente a igreja, o Palazzo Bertolini que foi sede do gabinete do Comune di Lucca até 1837. Nesta praça, na Lucca de 1700, ficava o "Caffè Pucci", que foi provavelmente a primeira loja de café de Lucca.

Detalhe da fachada do Duomo de Lucca.
Volto Santo, a grande devoção de todos os lucchesi.
Agora continuamos pela estreita Via S.Giovanni e saimos na Via del Duomo, seguindo até a Piazza San Martino, onde está a Catedral de Lucca. O Duomo, dedicado a San Martino. Por volta da metade do séc.XI o bispo Anselmo da Baggio, depois nomeado Papa Alessandro II, começou os trabalhos de reforma da igreja e em 1070 a consagrou como Catedral. 

Duas grandes preciosidades do patrimônio de Lucca estão aqui. 
Monumento funerário de Ilaria del Carreto.
Numa capela lateral está o famoso monumento funerário a Ilaria del Carretto, esposa de Paolo Guinigi, obra prima de Iacopo della Quercia, de 1408. E na nave esquerda do Duomo, num pequeno templo, está a antiquíssima e penetrante imagem do Volto Santo, desde 1107. A tradição diz que esta escultura representa o verdadeiro rosto de Jesus. Lenda? Fato real? Talvez a resposta esteja na medida da fé de cada um. Mas com certeza a linda história do Volto Santo (veja na Galeria de Imagem) faz parte, há séculos, do DNA de todo e qualquer 'lucchese'!

No interior da igreja podemos ver também interessantes representações dos meses do ano: janeiro se aquece no fogo, fevereiro pesca, março aperta um parafuso, abril tem uma flor na mão, maio com uma flor na mão galopa, junho colhe o grão, julho bate o grão, agosto colhe frutos de uma árvore, setembro pisa a uva numa tina, outubro entorna o vinho num barril, novembro guia um arado de bois e dezembro esquarteja  um porco.

O Duomo pode ser visitado das 10 às 15 horas, de novembro a março, e das 10 às 18 aos sábados e domingos. De abril a outubro o horário é das 10 às 18 horas, todos os dias. Durante as missas é proibida a visitação turística.

Depois de absorver um pouco da força que está impregnada por séculos de história no interior do Duomo, voltamos para a Piazza e podemos pegar a Via del Molinetto, para contornar por trás do Duomo e retornar para a Via del Fosso. Estamos próximos dos jardins do horto botânico. Dependendo do horário, ainda dá pra descansar um pouco por ali... 


ENTRANDO PELA PORTA SANTA MARIA

 
Entrando por esta porta, estamos na Piazza S.Maria, exatamente onde termina a famosa Via Fillungo. Muito próximo, pode-se também entrar pela Porta S.Jacopo e pegar a Via Michele Rosi. Após passar pelo arco da Porta dei Borghi, uma das duas portas medievais remanescentes, também chegamos no fim da Via Fillungo



A agitada Via Fillungo no repouso da noite.

Ah! Depois dizem que ' todos os caminhos levam a Roma'! Só se for depois de passar pela Via Fillungo...

Agora estamos na principal artéria da vida 'lucchese', onde há séculos e séculos bate mais forte o coração da cidade. O próprio nome é muito antigo. Tem sua origem no Castello de Fillongo, na Garfagnana, onde a família Falabrina, que tinha suas casas na via Fillungo, exercia seus direitos de feudo. No século passado foi também escrito como 'Fil-lungo' (=fio longo), pela característica forma da rua, comprida e reta. Ela 'se desenrola' por cerca de 700 metros e atravessa o centro histórico de Lucca, fazendo parte da antiga estrutura viária romana.

No passado esta longa e charmosa rua era dividida em três partes. O trecho da Porta Santa Maria era via Grande e até chegarmos ao cruzamento do Vicolo S.Frediano e da Piazza Scalpellini, ainda é um pouco tranquilo. Aqui, olhando pelo Vicolo, abre-se o maravilhoso panorama dourado do mosaico da igreja de S.Frediano, que antes da consagração de S.Martino, era a Catedral de Lucca. Cristo e os apóstolos estão representados, junto com dois anjos, no  mosaico de sua fachada. Inicialmente, o Volto Santo ficava aqui. E até hoje, há mais de mil anos, em todo 13 de setembro, é daqui que partem os participantes da procissão da Luminara di Santa Croce


A procissão de Santa Croce com a Igreja de S.Frediano ao fundo.

Logo atrás da igreja de S.Frediano, entrando à direita na Via degli Angeli, está o PalazzoControni-Pffaner, de 1660. Originalmente, moradia da família Moriconi, importante comerciante de seda. Passou depois a ser propriedade dos Controni que cuidaram de ampliá-lo. Passado mais de um século, quando o cervejeiro austríaco - Pfanner - o comprou. Seus herdeiros mantêm a propriedade até hoje e parte dos salões, alguns quartos e uma típica cozinha de época, além do maravilhoso jardim, estãos abertos a visitação. Por isso talvez seja interessante voltar com uma horinha especialmente dedicada a ele e poder conhecer a exposição de equipamentos e instrumentos médicos do doutor Pietro Pfanner, do final dos anos de 1800, ou 'desfilar' na escadaria e nos jardins como Nicole Kidman e John Malkovich, que estiveram por ali gravando cenas do filme Retratos de uma Mulher, em 1996.



Na esquina da Piazza S.Frediano está o Palazzo Mansi, do séc. XVI. A família Mansi já era muito conhecida e apreciada na Europa, antes do séc. XVI, por causa da seda que produzia. Esta família tornou-se ainda proprietária, em 1600, de uma maravilhosa Villa nas imediações de Lucca.



Piazza del Anfiteatro
Do lado esquerdo, na Piazza Scalpellini, está um dos arcos que nos leverão à famosa e bela Piazza del Anfiteatro(hoje Piazza del Mercato), originalmente, no séc. II, ficava fora da cidade. Na Idade Média era chamada de 'parlascio'. Olhem que mistura: a palavra 'parlascio', na verdade, era uma corruptela do latim 'paralisium' (=anfiteatro), que por influência da palavra 'parlare' (falar), acabou identificando o lugar onde aconteciam as reuniões da população. Uma população que, sem dúvida, 'parlava, parlava e parlava'...


Progressivamente, a Piazza foi sendo preenchida por construções que serviam como depósito de sal, carvão, outras mercadorias e até cadeias. Somente no 1800, o arquiteto lucchese Lorenzo Nottolini, deu a Piazza uma nova roupagem urbanística. O espaço da antiga arena foi então liberado das pequenas construções e foi aberta a "via dell'anfiteatro" que a percorre pelo lado externo, em seu formato elíptico. Em muitas lojas que se abrem sobre a praça pode ser vista parte da estrutura da época republicana. 


Das quatro portas de entrada para a Piazza, só uma, a mais baixa, continua exatamente igual, sendo um dos acessos originais. Hoje, o piso da praça está elevado cerca de 3 metros em relação a arena romana, que era composta por 54 arcadas e tinha capacidade para 10 mil espectadores! Nas escavações feitas em 1800 foi descoberto o piso da arena e o pavimento da entrada principal.

Na saída pela Via Canuleio, que une o Anfiateatro a Via Mordini (conhecida como Via Nuova) pode-se ter a mais típica visão de postais da Torre Guinigi, enquanto que saindo pela Via Del Pórtico, chega-se a Via Busdraghi, cujo nome deriva do Palazzo Brancoli Busdraghi, do séc. XVI,  onde atualmente funciona um hotel 4 *, com apenas 7 charmosos quartos. 

Bem, as tentações de mudar de rumo são muitas, mas a encantadora Via Fillungo nos espera e nós nem bem começamos a desvendá-la. Continuando por ela, vamos chegando ao ponto onde Lucca é capaz de nos dominar em todo e qualquer sentido. Pelo visual das construções preservadas, pelo movimento de pessoas e bicicletas, pelos aromas dos cafés e dos crocantes de amêndoas e avelãs, pelas lojas elegantes, pelo sabor dos sorvetes, pelo som alto, alegre e até exagerado das conversas.

Na nossa caminhada vamos passar pela Via degli Angeli com o Palazzo Boccella, depois Conti, do séc. XVI. Na Via Fontana está o Palazzo Fatinelli, que tem do lado de fora um poço que dizem de Santa Zita, em referência ao milagre ilustrado no baixo-relevo externo do poço.

E a Via Buia (escura)? Característica rua medieval, onde nasceu o músico Luigi Boccherini, que antigamente chegou a lhe dar o nome (Via Boccherini). Mas o fato de estar cercada por altas construções e o sol só conseguir iluminá-la quando está à pino foi mais forte, daí, o nome Via Buia venceu!

Torre delle Ore
E chegamos à Torre delle Ore ou Torre dell'Orologio, construída por volta do séc. XIII, tem cerca de 50 metros de altura e foi a mais alta das 130 que existiram na Idade Média. Foi propriedade particular, passando por várias famílias até que em 1490 foi comprada pelas autoridades da cidade e transformada em torre cívica. Só então foi inserido um quadrante externo na fachada e deste modo as horas passaram a ser também visíveis e não só audíveis pelo badalar dos sinos. 



Os 207 degraus para se chegar até o alto ainda são em madeira e perfeitamente conservados. Talvez idênticos ao tempo em que Lucida Mansi os escalou em fúria, na esperança de parar o relógio e com isso parar o tempo (conheça a lenda na Galeria de Imagens). A Torre é aberta ao público e de lá se tem uma linda vista da cidade. O atual mecanismo do relógio e os números romanos do quadrante foram parte das reformas de 1754.



Em frente à Torre está outra curiosidade de Lucca: a Chiasso Barletti. No passado, Chiasso significava uma rulea curta e estreita, pouco frequentada, muitas vezes mal pavimentada e suja. Atualmente esta é a única rua em Lucca que continua denominada por 'chiasso' e que manteve quase intacta a sua fisionomia de ruela medieval, com as típicas lojas (mas sem sujeira e sem mal cheiro). O nome Barletti é de uma poderosa família do 1300, extinta em 1360. 



Detalhe da fachada de San Cristoforo.
Chegamos ao último trecho da Via Fillungo, onde ela sempre foi Via Fillungo. E em frente aos números 5 e 7, está a Chiesa di San Cristoforo, que no séc. XII foi sede dos Cônsules das Causas 'Lucchesi' e no início do século seguinte abrigou a Universidade dos Comerciantes. 

No lado esquerdo da fachada ainda restam as barras que serviam para determinar o comprimento  dos pentes e teares para os tecelões das sedas 'lucchesi'.  

Atualmente esta igreja é fechada ao culto, ou seja, ela é desconsagrada. Mas sedia numerosas manifestações culturais, como concertos e mostras de arte. Sedia também uma lenda, folclore, crença ou pura paixão de uma vida ali vivida em outras encarnações e que se perpetua neste endereço - Via Fillungo 6. Cada um que tire suas conclusões sobre esse intrigante lugar.

Depois de percorrer a longa Via Fillungo e saborear a deliciosa movimentação das últimas três ou quatro quadras vamos seguir à direita pela Via Roma. Esta rua nos levará a Piazza San Michele. Mas antes repare nas pessoas (na maioria homens de mais idade) sentadas nos degraus do Palazzo Cenami. Este costume remete há mais de dois séculos. E os 'lucchesi' acabaram batizando, curiosamente, essa tradição de SAVAS - Società Anonima Vagabondi A Spasso (sociedade anonima vagabundos a passeio)!

Agora, entre lojas, cafés, turistas (e se for setembro, muitas e deliciosas barraquinhas), chegamos na Piazza San Michele, onde era o Foro, a mais importante e relevante praça da Lucca medieval e onde instalou-se a primeira sede da prefeitura. Por volta de 1300, essa praça serviu também como mercado, principalmente de grãos, e era tida em tão alta consideração que nas suas imediações era proibido manter porcos, mesmo que fossem apenas para serem comercializados.

Mais tarde, a praça foi ampliada e alí se instalaram sedes de bancos de cambistas e empresas de comerciantes de seda. Em 1400 foi pavimentada com tijolos e no início de 1700 começaram as obras para levantar o piso em dois degraus, pavimentá-la com calcário branco e delimitá-la com pequenas colunas unidas por correntes em todo o seu perímetro. O monumento a Francesco Burlamacchi (importante político de Lucca na primeira metade de 1500), obra de Ulisse Cambi, ocupa seu posto na praça desde 1863.

Nesta grande praça, mais um café ou um sorvete. Mas se for setembro, imperdoável que não seja um delicioso 'frate' da barraquinha do Nelli (detalhes dessa especialidade em 'sabores especiais'). E então é chegada a hora de admirar a Chiesa di San Michele

Chiesa di San Michele

A igreja atual é uma reedificação iniciada por volta de 1070 e continuada até o século XIV. A sua torre era mais alta do que a torre da fortaleza Augusta, que servia para trocar sinais com os pisanos, e o som de seus sinos era ouvido até em Pisa.

Na parte mais alta da igreja, a imponente estátua do Arcanjo Miguel, vitorioso sobre o dragão. A estátua, em mármore branco, tem cerca de 4 metros de altura. As penas das asas são em metal. E se não bastasse a grandiosidade da própria imagem, um encanto extra: dizem que no anel que o santo traz no dedo tem um diamante incrustrado, doado por algum fiel. O fato é que, de noite, de um determinado ponto da Piazza San Michele, perto da Banca Commerciale, ou mesmo em frente a entrada do cinema Central na Via del Poggio, observando o Arcanjo, é possível perceber um estranho cintilar!

A Chiesa di San Michele fica aberta das 7h30 às 12h30 e das 15 às 18 horas. Durante os horários de missa não é permitido visitas turísticas.


Agora seguimos pela Via Beccheria ou pela Via Vittorio Veneto - ambas saem da Piazza San Michele - para desfrutarmos a grande Piazza Grande ou Piazza Napoleone, literalmente aberta, em 1806, em frente ao Palazzo da princesa Elisa Bonaparte Baciocchi. Isso mesmo: aberta, pois para que o palácio ficasse mais visível e arejado, Elisa ordenou que demolissem várias construções medievais para a abertura da praça. Nesta obra perdeu-se , por exemplo, a igreja de San Pietro in Cortina (o Maggiore), de 1588, e a antiga torre da 'Zecca di Lucca'. E para esconder a fachada das construções que restaram, ela encomendou que se plantasse uma fileira de altas árvores. Estes plátanos estão alí até hoje e, provavelmente, você vai curtir um pouco da sua sombra enquanto admira o lugar. O projeto previa um monumento para Napoleão no centro da praça. O nome ficou, mas quem ganhou um monumento foi Maria Luisa de Bourbon, duquesa de Lucca, de 1815 a 1824, após a queda de Napoleão.



Mas o que pode tornar essa praça ainda mais fascinante não está em sua superfície. E ainda não pode ser visitado. Em recentes obras de manutenção da área, foram descobertos túneis de fuga sob a praça, em perfeitas condições. Além da técnica usada, outros indícios como o tipo de tijolos usados, levam a crer que esses túneis eram vias de fuga preparadas sob o comando de Castruccio para eventuais ataques inimigos.

Piazza Grande (ou Napoleone) fechada por árvores e
Piazza del Giglio em frente a fachada rosada do Hotel Universo.

Portanto, por enquanto, o destaque da praça fica por conta do Palácio Público, que depois foi Palácio Ducal e hoje é Palácio da Província, conhecido como Palazzo Ducale. Essa construção surgiu sobre a área do castelo da Fortaleza Augusta, abatida pelo povo em 1369. Foi reconstruído e em 1430 foi residência de Paolo Guinigi. Em 1539 um raio causou grandes prejuízos e só foi restaurado em 1728, por Nottolini, atendendo as exigências dos Bourbon. Em 1866 foi cedido para a administração da Província. Atualmente, abriga a sede da prefeitura, a administração da Província, a Corte d'Assise e a Accademia Lucchese di Scienze, Lettere e Arti.

Do lado esquerdo da Piazza está a Via XX Settembro e a Corte Paoli. A cidade do Império Romano está consideravelmente soterrada - cerca de 2,5 a 3 metros - em relação ao terreno atual de Lucca. A parte mais alta é justamente aqui, na Corte Paoli, nome da família que foi a antiga proprietária do palácio que hoje é sede do Hotel Universo.



Teatro del Giglio
No final da Piazza Napoleone, do lado esquerdo está a Piazza del Giglio que abriga o Teatro del Giglio, construido em 1817, sobre as ruinas do velho teatro público. O nome Giglio tem origem na flor-de-lis, presente no emblema dos Bourbon. 



Neste teatro, em 1831, Rossini teve seu primeiro sucesso italiano com Guilherme Tell e, nesta mesma apresentação, fazia parte da orquestra  Niccolo Paganini!

No início do século XIX o Teatro Giglio disputava grandes espetáculos em igualdade com o Teatro della Scala, de Milão, e o San Carlo, de Nápole.

Cheque a programação. Encontre Puccini...assista a uma ópera.

No centro da praça está o monumento a Garibaldi, de 1889, obra do escultor Urbano Lucchesi.

Se pegarmos a Via Vittorio Emanuele  e entrarmos à direita na Via Galli Tassi encontraremos o Palazzo Mansi, raro exemplo das mansões do 1500. Desde 1977 é sede de um dos mais importantes museus de Lucca, a Pinacoteca Nacional. Entre. Aí estão conservados os aposentos monumentais do andar nobre, com salas repletas de afrescos e o famoso comodo dos noivos, do século XVIII. Na Pinacoteca se encontram quadros de mestres como Pontormo, Bronzino, Andrea del Sarto, que vão do início de 1500 aos primeiros anos do 1700. Ainda no interior do museu, no mezanino, está uma oficina de tecelagem artesanal.

Voltando para a Vittorio Emanuele, chegaremos ao Piazzale Verdi, onde no passado se encontrava o palácio de verão dos marqueses da Tuscia. Essa zona, com o passar do tempo, ficou conhecida como "Prato del Marchese" (pradaria do marques) e por volta de 1800 era onde se realizavam espetáculos e corridas. Foi então que a família Nottolini construiu alí um anfiteatro de madeira que podia acomodar 3500 pessoas. 

O anfiteatro foi derrubado e hoje em um lado da praça está a sede do Centro de Recepção Turística da Comune de Lucca, que tem atrás o Piazzale S.Donato e a velha Porta di San Donato, que acabou ficando dentro da muralha. Entre 1200 e 1500, aqui era o ponto de partida de uma das muitas corridas da "Colonna Mozza".





AGORA VAMOS 'SULLE MURA' 

Firenze sem Ponte Vecchio sobre o rio Arno, Milão sem o charme da Galleria Vittorio Emanuele, Roma sem Vaticano e sem Coliseo, Venezia sem Piazza S.Marco e suas gôndolas, Verona sem a lenda de Romeu e Julieta, Capri sem a Gruta Azul e até Pisa sem sua torre ‘torta’. Tudo isso dá até pra imaginar... mas Lucca sem sua muralha? Jamais! Por isso é obrigatório percorrer seus 4 quilômetros, com calma, com leveza, caminhando a pé ou de bicicleta (o que é muito mais tipicamente 'lucchese').

Para entender melhor esta obra de grandioso orgulho é bom saber que ‘le mura’ tem um pouco mais de 4 quilômetros e 6 grandes portas: S.Jacopo, Elisa, S.Pietro, Vittorio Emanuele ou S.Anna, S.Donato e S.Maria. Em tempos mais recentes foram abrindo pequenas passagens (7) chamadas de ‘sortita’ (=saída) de onde se pode sair, e evidentemente entrar, mas apenas a pé ou de bibicleta. Tem 11 baluartes, que são as partes defensivas, em forma de ‘orelhas’, avançadas em relação à muralha. Aliás, o primeiro baluarte com esse conceito defensivo surgiu na Itália.  O trecho entre cada baluarte é chamado de 'cortina' e são 12. Internamente, existem nove ‘discese’ (rampas) para chegar até a alameda no alto da muralha, 12 metros acima do nível da cidade.


Um dos 11 baluartes da muralha de Lucca.

Agora você já tem a mínima noção do que vai ver. E para começar, sugerimos a Porta S.Maria. Assim que se entra, na Piazza de mesmo nome, está a Biciclette Poli ou a Cicli Bizzarri onde se pode alugar vários tipos de bicicletas (para duas ou mais pessoas na mesma bicicleta, tipo triciclo etc).


Palazzo Pfanner visto da muralha.
Tudo certo. Bicicletas alugadas e testadas. Altura de guidão e selim ajustados. Uma garrafinha de água San Pellegrino na cestinha da ‘bici’. E muita tranquilidade na alma. Lá vamos nós subindo a ‘discesa’ (que na verdade quer dizer descida!) S.Maria. Algumas pedaladas e estamos no Baluarte S.Frediano. Epa, mas este não tem forma triangular de ‘orelha’. Parece uma plataforma retangular. É porque foi construído depois dos outros, para diminuir a distância entre os baluartes de S.Martino e S.Croce, julgada excessiva para o lançamento da artilharia. Logo em seguida, uma parada para fotos afinal aqui estão os melhores ângulos dos jardins e da escadaria do Palazzo Pfanner.

Com a brisa das pedaladas, chegamos ao Baluarte de S.Croce, inaugurado em 1598. Depois passamos sobre a Porta S.Donato, o baluarte do mesmo nome, a Porta Vittorio Emanuele e o baluarte de S.Paolino, padroeiro de Lucca. Este baluarte foi o último a entrar em funcionamento (a placa data 1642). Aqui um monumento a Alfredo Catalani, outro compositor de óperas famosas (como Loreley), nascido em Lucca. 

Agora, uma boa reta para pedalar, percorrendo paralelamente a Via Francesco Carrara - importante jurista, nascido em 1805, e que foi decididamente contra a pena de morte e fundador daquela que mais tarde seria chamada de ‘escola jurídica do direito penal’. Chegamos ao Baluarte de S.Maria, criado para defender a Porta San Pietro que era a mais importante e vigiada de todas, pois era só através desta que os estrangeiros podiam entrar e sair da cidade. Nesse ponto de 'le mura', em 1840, foi pedido ao arquiteto Lazzarini que construisse ali um ‘caffè’ para tornar mais agradável o passeio dos ‘lucchesi’. Algumas décadas depois, os parapeitos dos muros foram rebaixados para que as pessoas pudessem admirar o panorama. Então, aproveitemos um momento para fotos! Neste trecho se pode admirar o interior e o exterior da cidade: do centro até os montes pisanos. 

Na Porta S.Pietro, inaugurada em 1565 está a sede da Associação ‘Lucchesi nel Mondo’. Nas laterais, dois leões colocados nas antigas aberturas através das quais corriam as correntes que acionavam a antiga ponte elevadiça. As duas portas laterais, feitas depois da principal, servem para a passagem de pedestres enquanto que a maior ficou para os carros.

Em seguida, o Baluarte San Colombano, também conhecido como ‘della Rosa’, por estar próximo da ‘Chiesina della Rosa’. Inaugurado em 1603, seu projeto também visava uma melhor defesa da Porta S.Pietro. No interior deste baluarte, inteiramente restaurado em 1967, se pode percorrer galerias, salões, salas de armas, áreas de manobras e algumas estruturas das fortificações anteriores.

Muito próximo está o Baluarte San Regolo, inaugurado em 1605 e construído na área que antigamente era chamada de “Piaggia Romana’, em parte destinada, na Idade Média, para cemitério das vítimas de peste, dos condenados à morte e dos hereges. O interior do baluarte foi restaurado em 1966 e é acessível pelo Jardim Botânico.

Baluarte Cairoli ou “della Libertà” foi inaugurado em 1607. E aqui, enquanto respiramos um pouco do ar 'lucchese', vale entender melhor o sentido da palavra liberdade, tão querida para Lucca.  Sobre o próprio emblema da cidade, que foi no passado o do Estado, está a palavra ‘Libertas’. Em 1369, quando Lucca se libertou de Pisa, foi erguido na igreja de San Martino um altar dedicado à liberdade. Mais tarde, em 1597, os ‘lucchesi’ pediram e conseguiram do Papa Clemente VIII o direito de inserir na própria Missa uma oração dedicada à liberdade. Oração rezada também pela comunidade ‘lucchese’ que vive no exterior. No alto da Porta San Pietro também está a palavra “Libertas”. 

E vale lembrar que aos pés da “colonna della Fratta” ou “colonna della Madonna dello Stellario”, erguida em 1687 e dedicada a Beata Virgem, está a inscrição “vere libera serva nos líberos”, frase que para os 'lucchesi' tem um duplo significado: “Tu que és liberta do pecado (original), conserva-nos livres" (no duplo sentido - seja do pecado, como também livres de eventuais agressores). E aqui, sobre ‘le mura’, contemplando tanta história, fica mais fácil compreender a dimensão desse conceito e dessa condição apaixonada pela liberdade!

Continuando, passamos pela Porta Elisa, planejada sob o comando da própria princesa Elisa Bonaparte Baciocchi, e chegamos ao Baluarte San Salvatore, inaugurado em 1592,onde se encontra uma fortificação da antiga cinta medieval, chamada o “Bastardo”.
Temos ainda o Baluarte Cesare Battisti e a mais modesta e mais recente porta: a Porta San Jacopo, de 1930. Por fim, o Baluarte de San Martino que também incorporou um antigo torreão. O interior pode ser alcançado pelo ‘sortita’ di S.Martino, onde sobre a fachada está o emblema de Lucca, datado de 1935.

E aqui estamos novamente no ponto de partida. 

Deliciados. Revigorados. Apaixonados.



Prontos para mais uma volta?

Nenhum comentário:

Postar um comentário